sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Frase de Natal

Quando era mais nova, amava cartões. Comprava-os (aos montes), colecionava-os e enviava a amigos (aos queridos). Mania que me fez passar horas na papelaria lendo frases (as do Garfield eram as melhores). Hoje, uma delas me vem à cabeça. Acho que já mandei esse cartão para pessoas que moravam longe, mas nunca ele fez tanto sentido (será que quando memorizei tal frase sabia que um dia ela caberia tão espetacurlamente em minha vida? Será que nosso subconsciente é, na verdade, um irônico vidente?). A frase é: "Sem você, o Natal ainda será Natal, mas será muito menos feliz". Simples e definitiva.
*
À Beta, por aparecer na madrugada de Natal com colo e biscoitos;
À Tia Silvana, por continuar quando ninguém mais o faria.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Curtas do Silêncio

  • O silêncio pode ser muito, pode ser pouco, pode ser angústia, pode ser alívio, pode ser calma, pode ser espera. Para mim, silêncio é sempre barulho interno.
  • Silêncio é ausência de som ou de comunicação? Falar por mímica é falar em silêncio?
  • Quando leio avisos do tipo “silêncio, por favor”, tenho vontade instantânea de gritar.
  • Tentei brincar de vaca amarela com o meu coração, mas nem assim o rebelde cala a boca.
  • O seu silêncio em mim é a mais refinada e cruel forma de tortura. Mata-me devagarzinho.
  • Faça silêncio. Cuidado para não despertar meus demônios.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Silêncio

Uma segunda qualquer. Um telefonema aflito. Do outro lado da linha, a vida dá o seu recado mais brutal: “olá você que fez planos. Planejou viajar, planejou descansar, planejou comer bolachas, planejou que hoje seria um dia bom. Faça tudo, meu bem, menos planos”. O que dizer? O que podemos dizer para aqueles cujos pés estão sem chão, a mente sem orientação e a alma sem vontade? Adiantaria lembrar-lhes que ainda existem as músicas que falam de pássaros pretos? Às vezes, não temos nada pra dizer, mas tudo bem. Amizade e amor também se manifestam em presenças silenciosas.

Para Duda, que fica ainda mais bonita quando chora e que adora músicas sobre pássaros pretos.

sábado, 13 de novembro de 2010

Ser

Encontram-se dentro de mim o bem e o mal, a ordem e o caos, a esperança e o desespero. Não corretamente divididos, como se acondicionados em compotas de sentimentos e intenções. Entre meus impulsos antagônicos, nenhuma fronteira, real ou imaginária. Antes pelo contrário. Estão misturados de tal forma que torna-se impossível separá-los. Residem em mim como gêmeos siameses que compartilham os mesmos pulmões.

O resultado é uma bondade que também é egoísta e uma maldade impregnada de candura. Impera em mim uma organização caótica e uma desesperada esperança. Não sou totalmente nada e nunca o nada em mim é totalmente.

Assim, sou feliz. Assim, sou triste. Indistintivamente.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Jairzinho

Jairzinho queria um montão de coisas, mas nunca conseguia escolher. Desde pequeno era assim:
- Picolé ou chocolate?
- Montanha russa ou trem fantasma?
- Gosta mais do papai ou da mamãe?

E Jairzinho não conseguia. Sofria, chorava, mas nada definia. “Quero tudo!”. “Tudo não pode!”, dizia a mãe, bradava o pai e insistia a tia.

Com o passar dos anos, sua querência cheia de dúvidas só aumentava e a situação piorava:
- Namoro a ruiva ou a morena?
- Faço medicina ou artes plásticas?
- Mudo-me pra Bahia ou fico onde estou?
- Caso ou compro uma bicicleta?

Jairzinho já sabia, não precisavam mais dizer: “tudo não pode”, mas como deixar de querer?

E Jairzinho, de tanto pensar e não agir, de tanto querer e não escolher, envelheceu e descobriu: nada tinha.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Coisas Bizarras - Eleição






A mulher do Serra. Fala se não é a cara do Moderninho da Xuxa? Lembram dele? Ele jogava as cartas das crianças para o ar.

Eleitor do Serra. Não existe um único eleitor do Serra que goste do Serra. Não apóiam suas idéias, projetos ou políticas públicas. Não o acham fofinho com aquelas olheirinhas. Eleitor do Serra só tem um motivo pra votar no Serra: a Dilma. É capaz dele começar a se sentir rejeitado...

A Marcha da Família com Deus e pela Liberdade. Enquanto os meios mudaram – marcham virtualmente – o discurso continua o mesmo. Idêntico. Quisera eu que Deus (não aquele. O verdadeiro) pudesse votar. Será que Deus votaria no "pobre safado que prefere viver de bolsa-família a trabalhar" ou no Fernando Henrique Cardoso?

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Curtas da Idade

  • Mais celulite, mais estria e, incrivelmente, menos constrangimento ao tirar a roupa;
  • Se os anos são o custo da maturidade e se maturidade é não se importar com a opinião alheia, acho que paguei barato;
  • Não sofro porque envelheço. Sofro porque os anos me separam da inconseqüência sem conseqüências;
  • Onde está a serenidade que tanto me foi prometida? Experiência não traz maturidade. Traz lembranças.

domingo, 17 de outubro de 2010

Inércia

Escreve chorando,
Escreve sorrindo,
Escreve correndo,
Escreve gozando,
Escreve com febre,
Escreve com sono,
Escreve com fome,
Escreve com afinco,
Escreve bonito,
Escreve feio,
Escreve amarelo,
Escreve ligeiro,
Escreve doente,
Escreve contente,
Escreve diferente,
Escreve realmente,
Escreve futuro,
Escreve após,
Escreve ontem,
Escreve agora,
Escreve da chuva,
Escreve da noite,
Escreve do mar,
Escreve da morte,
Escreve para mim,
Escreve para ela,
Escreve para nós,
Escreve para si,
Escreve rimado,
Escreve trocado,
Escreve calado,
Escreve borrado,
Escreve mas não apaga,
Escreve mas não se toca,
Escreve mas não se move,
Escreve mas não retorna.

sábado, 16 de outubro de 2010

Curtas da Amizade

  • Amigo não é aquele que isso ou aquilo (abaixo aos manuais da amizade!). Amigo é tão somente a pessoa que, por motivos ainda não esclarecidos, escolhemos para caminhar conosco.
  • Se a amizade fosse um objeto, seria um estojo Caran d`Ache 36 cores. Amigos são lápis de cor aquarelados com os quais pintamos nossa existência.

  • Disseram: amigos são a família que nos permitiram escolher. Então, ser amigo de um familiar é maravilhosamente unir destino a desejo.

  • Jogo-me em frente a uma bala de revólver para salvar a vida de um amigo querido, mas sou capaz de perder essa mesma amizade por uma boa piada. Isso anula o sacrifício?

  • Uns três ou quatro garanto que serão meus amigos para sempre. A eles, fui capaz de revelar o que em mim existe de mais sombrio e, ainda assim, me amam.

domingo, 10 de outubro de 2010

Um dia qualquer

Hoje, o dia foi preenchido de delicadeza (momento Muquito). Pela fresta da janela, a brisa do mar entrou para me despertar logo nas primeiras horas da manhã. Aqui, sou uma versão de mim que acorda cedo e feliz. Talvez, devido à promessa de um dia inteiro de preguiça de sol sem relógio. Um alegre tédio.

Após o longo desjejum – tomado com a mesa posta, sem atropelamentos –, conheci Zenóbia. O presente veio das mãos da Naninha anos atrás, mas ficou na estante livros-que-ainda-vou-ler. Nos últimos tempos, a fila de minhas pendências literárias tem, incrivelmente, andado. Chegou a vez de “O livro de Zenóbia”, que foi colocado na bagagem junto com algumas coisas que não podem faltar em uma mala que se julgue minha: máquina fotográfica, caderninho de anotações, IPod, óculos escuros e líquido para lente de contato.

Leitura e pé na areia. Banho gelado de mar e música calma no ouvido. Sons novos e antigos. Amores antigos que se renovam. Ao cair da tarde, os amigos cozinharam. Amizade declarada com farinha, ovos e manteiga. O cheiro bom das panelas, o sol, a brisa, o mar, o livro, o som, a preguiça... Hoje, fiz carinho na minha alma.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Curtas da Chuva da Noite

  • Ontem, desolado, o céu chorou a madrugada inteira a falta de nós dois.
  • Confesso: o medo de trovão é puro fingimento para segurar com força a sua mão.
  • Escuta pequena! Escuta os pingos no telhado! É a serenata de água que convoquei para te ninar.
  • Vem chuva da noite! Lava meus sonhos, inunda minha alma e mostra-me como és: água, fúria e vento.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Igual

O mundo está igual. Incrivelmente o mesmo. A jabuticabeira não se recusou a dar jabuticabas e as plantas do jardim derramaram-se em flores com a chegada da primavera. Todos os dias, o sol nasce no nascente e se põe no poente. Sem rebelião. Sem questionamentos. Os passarinhos continuam cantando, até mesmo as rolinhas marrons do quintal. A família também está igual: com brigas, pazes, risadas, almoços e aniversários. Sim. As pessoas continuam fazendo aniversário. É de se estranhar, eu sei, mas o tempo não parou.

E eu? Acordo e durmo diariamente. Encontro meus amigos, choro, assito filmes e me divirto. Almoço e janto. Sabe que até trabalho? Trabalho, amo e escrevo. Minhas roupas e meus móveis ainda são os mesmos. São os mesmos os meus discos e os meus livros. É o mesmo o dia em que a faxineira vem arrumar a casa.

Às vezes, a permanência me dá um susto. Custo a acreditar que você não existe mais e que, mesmo assim, o mundo, a jabuticabeira, o tempo, os passarinhos, o sol, as flores, os móveis, a família e eu continuamos. Inalterada e resoluta, a vida segue.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Curtas da Saudade

  • Saudade não é sentimento, estado, condição ou poesia. Saudade é urgência.
  • O contrário da alegria não é a tristeza, mas a saudade.
  • Antes a saudade me queimando a alma, do que o deserto que é nada sentir.
  • Foi solenemente condenada à saudade eterna por ter infringido as leis do amor: amou mais mais do que nela cabia.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O Mar


Ele é meu porque o escolhi (certas vezes me pergunto se não fui eu a escolhida). Ele não é mais bonito, mais quente ou mais transparente que os demais. E, ainda, pode ser tão traiçoeiro quanto qualquer um deles. Ele, porém, tem o que nenhum outro tem: é meu. Não de forma exclusiva como suplicam os amores egoístas. Entendo, sem relutância, que ele não é só meu, mas é meu também e isso me basta.

Ano após ano, ele me promete a renovação. Carrega, ora com ternura, ora com violência, tudo aquilo que não faz mais sentido levar comigo. Faz isso só para provar que me ama também. Só para que, ao seu lado, eu esteja em casa. E consegue. Aqui, não sou mancha no contexto - elemento incômodo que, por mais que se esforce, não se encaixa. Aqui, sou parte. Sou eu mesma a paisagem. A areia, fina e branca, é das minhas pernas prolongamento. As gaivotas riem para mim enquanto voam em busca de peixe, o vento faz cócegas em minhas orelhas e as dunas me chamam em coro: vem menina! vem depressa! suba e desça correndo! esperamos tanto você voltar... E o Mar me conta os segredos das sereias e me dá conselhos. Refresca minha mente e minha alma.

Às vezes, é severo, me ensinando que constante candura não é sinônimo de amor maior, mas de preocupação pouca. Quando acha necessário, aponta para o Forte construído nas pedras e me diz que, há séculos, bate contra ele com as mais violentas ondas que possuí e que nunca, nem uma única vez, ele se abalou. É o jeito do Mar dizer que devo ser eu também uma fortaleza. É a sua forma de pedir para que eu não me abale nem diante das mais violentas ondas. E eu prometo ser o Forte mesmo quando me sentir brisa. Não quero desapontá-lo, afinal, ele tem o que nenhum outro tem: é meu.

sábado, 11 de setembro de 2010

Corremos

Do que corre a menina?
Enquanto corre pensa que voa? Talvez não.
Voar é leve. Voar é pluma. Voar é redenção.
Correr é duro. Correr é aço. Correr é desespero.
Do que corre, então, a menina?
Ora, do que corremos todos nós?
Dos temores secretos, dos sonhos frustrados, da morte implacável.
Corremos da miséria, da maldade e da fome.
Corremos da nossa mediocridade e das nossas inseguranças.
Todos sabemos porque corremos.
A grande questão é: para onde?

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Para meus amigos

Ria até a barriga doer. Tenha crises de risos em ocasiões impróprias. Assista a desenhos. Novos e antigos. Shrek e Pernalonga. Coma brigadeiro de colher. Nunca conte as calorias que existem em uma panela de brigadeiro de colher. Corra até ficar sem ar. Não tenha vergonha se o escuro te deixar com medo. Diante de uma piscina de bolinhas, não perca a oportunidade de se jogar. Ande de carrinho bate-bate (mas se beber, não dirija). Não perca todos os minutos do seu dia pensando em trabalho, problemas, contas e obrigações. Brinque de pique-esconde e pega-pega. Dê sustos em quem entrar em casa distraído e um ataque de cosquinhas em quem estiver de mau-humor. Conte piadas. Imagine ser tudo o que você sempre sonhou e não perca a capacidade de sonhar. Cresça e fique maduro, mas jamais, jamais mesmo, envelheça.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Relógio


Ô moço, vim devolver esse relógio. Você disse que ele era de nova geração, que só faltava falar. Achei que, finalmente, teria um relógio que aceitasse minhas ordens. Mas não... Esse danado é como os outros. Um insubordinado!

É só perceber que estou com pressa, que ele começa a bater mais devagar. Quando o fim do horário de trabalho se aproxima, ele fica leeeento, leeento. Quando é hora de encontrar o meu amor, então, o desgraçado praticamente não se mexe. Mas quando estou atrasada... Ah, moço! Aí é sebo nas canelas. Ele desanda a correr feito um louco só pelo prazer de me ver levar a fama de deixar as pessoas esperando. Não dá pra conviver com um relógio que está sempre contra a minha vontade! Custava ceder só um pouquinho?

O homem já foi à Lua, já descobriu a cura de várias doenças, está desvendando o código genético... Quando é que vão inventar um relógio que no lugar de angústia traga alívio?

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Turbo

Queria muito um bicho de estimação. Poderia ter comprado um cachorro, um piriquito ou um gato. Queria algo menos tradicional? Uma iguana cairia bem. Mas, não! Leo resolveu que teria um chuveiro. Desde o início, fui contra: “um chuveiro vai dar muito trabalho!”. “Imagine”, disse ele. “Chuveiros são muito obedientes, aprendem rápido e não roem sapatos. Você vai ver. Daqui a pouco você vai gostar mais dele do que eu”. “Mas precisa ser esse tão grande?”, tentei argumentar. “Esses são os melhores”, ele falou já carregando o maldito pra casa. Fui vencida. Se pudesse voltar no tempo, jamais teria cedido.

Demos ao chuveiro o nome de Turbo e, desde os primeiros dias, a relação foi difícil. Turbo, barulhento e preguiçoso, passava a noite inteira pingando para chamar nossa atenção. Além disso, ele tinha graves problemas de saúde e, várias vezes, ficávamos aflitos esperando o pior. Gastamos fortunas com seus tratamentos, mas de nada adiantou. Relutante, Leo aceitou que teríamos que deixar Turbo partir.

A regra agora é clara: chuveiro nunca mais entra nessa casa!

Fundo do Baú

Recebida em 23 de outubro de 1992.

Julia,


Eu penso em seus doze anos,
e te imagino enfoguetada,
apagando suas doze velas,
e comandando a garotada.

Toda assim, saltitante e feliz!
Rindo aqui, cochichando ali, gritando lá.
Pensa ser a dona do seu nariz!
Vou cortar suas asas já, já!

E eu de longe a te observar,
filha minha, como tens crescido!
Quero com você comemorar,
escutar todo este alarido.

E de tanto imaginar a sua festa,
de tanto desejar estar aí,
vejo no meu prato que ainda resta,
um pedaço do kibe que comi.

Humor Censurado


No Brasil, existe um maravilhoso dispositivo de controle social sobre o Legislativo: “lei que pega ou que não pega”. A ferramenta é simples. Se a lei vai de encontro ao costume... (Pausa para momento “nossa língua portuguesa”: de encontro = contra / ao encontro = a favor). Retomando: se a lei vai de encontro ao costume, o resultado é que ela não pega. Algumas leis desse tipo são tão boas, como a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança, que burlam esse obstáculo. Mas grande parte nada, nada e morre na praia. Ou melhor, na gaveta. E, convenhamos, a julgar pela qualidade do nosso Congresso, é lá que a maioria merece estar mesmo.

Pois nessa eleição o TSE, que tava meio à toa, resolveu fazer valer um artigo da lei 9.504 que, em vigor desde 97, nunca pegou muito. É o que proíbe veículos de rádio e TV de usar recursos de áudio ou vídeo que “de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação”. Em resumo, o humor brasileiro ganhou uma mordaça e, nós, eleitores frustrados, temos que agüentar todo o período eleitoral sem ao menos “rir da desgraça alheia” que, no caso, é a nossa mesmo.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Socorro

Gente, olha lá! Joguem uma bóia, acudam, peçam para os salva-vidas correrem! Rápido! Viram uma mão? Acho que não tem mais jeito... Vocês não viram? Aquela moça afogou no amor.

Para Anya

Ausência

Não me incomoda que não exista futuro. O que é o futuro senão um amontoado de achismos? Um lugar onde somos, irremediavelmente, felizes, magros, bem-sucedidos e amados. Aquele momento perseguido e nunca, jamais, encontrado. Não. Definitivamente, essa impossibilidade não me aflige. Há muito abandonei a ilusão de conquistar o tempo como fiador. Aceito, de mal ‘grado’, a falta de garantias.

O que me incomoda mesmo, me perturba o sono e me tira a fome, é não termos presente.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Interrogação?


“O ponto de interrogação é colocado no final de frases interrogativas”, nos diz a regra. Em nenhum lugar, no entanto, encontramos uma clara descrição de sua exceção. Pois pensa você que toda pergunta tem seu ponto de interrogação evidente? Tolinho... É claro que não! Existem aquelas perguntas que terminam com pontos finais ou reticências. Existem até as que terminam com exclamações. E o que buscam perguntas senão explicações? Saiba desde já que é na exceção relatada que reside a mais ansiosa espera pela resposta.

Ela diz para ele com os olhos marejados: “acho que você não gosta mais de mim”. Ou ainda: “tenho certeza que você não irá voltar”. Percebeu? Aprenda a procurar nas entrelinhas. É lá que se encontram as coisas indizíveis, esperando serem descobertas. E é lá que, nesse caso, está o ponto de interrogação. Mesmo travestido de certeza, ele grita, suplica e transforma minutos em uma angustiante eternidade.

Por favor, responda rápido.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Luto(a)

Converso, saio, encontro amigos, trabalho e escrevo.
Vou à lona. “Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete...”. Levanto novamente.

Tomo café, brinco, assisto filmes, recebo irmão e janto.
Vou à lona. “Um, dois, três, quatro, cinco, seis...”. Levanto novamente.

Abraço, beijo, bebo, respondo e-mails, jogo futebol e danço
Vou à lona. “Um, dois, três, quatro, cinco...”. Levanto novamente.

Olho à minha volta. Na arquibancada lotada, todos torcem por mim.
Dessa vez, cambaleio, mas não caio.

Estudo, leio, rio, telefono, como melancia e vejo TV.
Vou à lona. “Um, dois, três, quatro...” Levanto novamente. Cansada, pergunto se ainda vai demorar muito. “Esse é apenas o primeiro round, minha filha”.

Folheio revistas, releio cartas, faço fofoca, sinto saudade e invento histórias.
Vou à lona. “Um, dois, três...”. Levanto novamente.

Consigo, de relance, ver meu adversário. Rosto familiar que reconheceria no espelho. Face dos meus temores mais íntimos, da minha inconformidade. Sempre lutamos, mas nunca tanto assim... De qualquer forma, sei que essa luta não terminará em nocaute. Notaram que estou levantando cada vez mais rápido?

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Your secret

A singeleza desse vídeo me tocou tanto nesse final de sexta-feira, que "roubei" do facebook da Carol e coloquei aqui (especialmente para Jojo Alves e Flavinho. Obrigada pelo carinho):

Your secret from Jean-Sebastien Monzani on Vimeo.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Rasteiras

Texto da Missa de 7o Dia (para Clarissa, Daniel e Dona Vilma)

Rasteiras na morte. É o que dá desde a juventude essa pessoa tantas vezes rebatizada: Dite, Dinha, Key, Didi (como será que lhe chamam agora os anjos?).

Para os amigos, confidente leal. Da família, defensora incondicional – sempre a perdoar nossos defeitos. Da Companhia Telefônica, cliente ouro. Pelo fio do aparelho tudo sabia. Distribuía amor e conselhos. Quem aqui não teve um pouquinho que seja da vida acompanhada por ela? Corpo franzino que tantas vezes foi a nossa fortaleza! Generosidade que conquistava amigos de todos os tipos, idades, credos, classes sociais... todos cabiam em seu coração.

Para mim, foi muito mais. Ao seu lado, conheci o significado da palavra mãe. Agradeço os cuidados na infância, o porto-seguro na adolescência e a amizade na vida adulta. Agradeço por ter me preparado para tudo, menos para esse momento.

Agradeço também, em nome de toda a minha família, ao carinho e ao apoio de todos aqui presentes, ao padre – que respeitosamente chamamos de Ricardo – e às freiras do convento das Clarissas por sempre terem orado por nós, quando ela assim pedia, e por terem aberto esse espaço tão especial para nos acolher.

Rasteira. É o que hoje damos na morte, pois, em cada um de nós, Dite, Dinha, Key ou Didi viverá eternamente. Descanse no colo de Nossa Senhora e vele por seus amigos e por sua família que tanto te amam.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Curtas da Tristeza

  • Se, por algum acaso, eu parar de chorar pra fora, acudam! Estarei afogando por dentro.

  • Caso o sol apareça, estenderei na janela minha alma encharcada.

  • Em tão vasto léxico não consigo encontrar palavra que descreva a dor que agora sinto.

Mais agradecimentos ainda:
Às minhas tias Silvana e Eliana pelo aconchego familiar
À Tia Yolanda por sempre sorrir
À Manu pelo carinho, ao Daniel pelo pranto e ao Dan pela visita
Aos meus irmãos e aos meus pais por me amarem

sábado, 26 de junho de 2010

Sala de Espera

A mulher bonita chegou agitada, pois nunca tinha estado ali. Queria saber notícias do noivo. Todos explicaram as regras.

O senhor de terno voltou, novamente sozinho, para visitar o pai que tem mais oito filhos e quase quarenta netos. Todos sentiram pena.

A neném do moço de cabelo trançado saiu do respirador e já está bem melhor. Todos ficaram felizes e pensaram que, por ali, coisas boas também podem acontecer.

A senhora trouxe os netos para verem o avô. “Adoram esse avô! São loucos por ele!”. Eles sairam chorando. Todos ficaram comovidos.

Todos ali não se conhecem. Nunca se viram antes e, provavelmente, não se verão depois. À parte disso, reconhecem-se uns nos outros. Vidas náufragas entrelaçadas pela dor e pela esperança.


Mais agradecimentos:
Às minhas primas por me quererem muito bem
Ao Pedro por me entender
À Aninha por viajar oito horas pra me dar um abraço
Ao Tatá pelo seu amor cartesiano
Ao Manoel de Barros por me ensinar que "sapo é um pedaço de chão que pula"

terça-feira, 22 de junho de 2010

Agradecimento

Estranho. É como o mundo agora me parece. Outro cheiro, outro sabor, as mesmas caras com outras feições. Alguém apertou a tecla de slow motion e eu passei a andar em câmera lenta, a enxergar em rotação desacelerada. Encontro-me naquele estado em que tudo importa menos. Em que tudo é nada. E o nada é aquilo que, agora, acontece à minha volta. Vida interrompida à espera de uma notícia que nem sei se quero ter.

Apesar disso, considero que tenho sorte. Acho que sou a pessoa mais sortuda que existe. Ao meu encontro já marchou todo o “exército da salvação” em forma de telefonemas, mensagens, abraços, colos e cafés. Até em forma de tristeza por não poder estar junto o tanto que gostaria. Caso não obtenham sucesso nesse resgate, aviso de uma vez que, para mim, saber que tentaram já é suficiente. A minha felicidade reside em saber que vocês estão ao meu lado, justamente como eu – apesar de muito pouco ter feito para isso – tinha certeza que estariam.

especialmente para: Leo, Joana, Batatinha, Beta, Carol, Thiago, Paulinha, Flávia, Ana, Cris, Fernanda e Fabiana. extensível a todos os meus amigos.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Leite


Deve ser a lembrança guardada de um tempo em que ficávamos seguros e aconhegados no colo de nossa mãe. Lembrança de quando éramos felizes e alienados - felizmente alienados. Tempo em que comer e dormir era o que nos cabia e tínhamos quem nos alimentava e ninava. Provavelmente, vem daí a nossa ligação com o leite. Para minha avó, leite queimado era remédio de noites insones - para aquecer a garganta, cessando a tosse, ou a alma, cessando o soluço. Agora, que tanto a garganta quanto a alma doem, ardem e suplicam, quem me ama reconforta-me com leite. Leite é colo em sua forma líquida.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Busca


Aquilo que urgentemente, fervorosamente e desesperadamente desejo é apenas, e tão somente, me curar de mim.

domingo, 30 de maio de 2010

Não tente mergulhar em mim

Não tente mergulhar em mim.
Carrego no peito uma placa que diz em letras garrafais: “Proibido ultrapassar”.
Sendo assim, não ouse, não force, jamais invada.
Deixe minha máscara onde ela está.
E não me desnude com sua impertinência.

Não tente mergulhar em mim.
Medos e sonhos são reservados a poucos.Escolhidos a dedo.
A você, nada além de trivialidades.
Devaneios sobre vestidos de primavera ou aventuras de verão.
Contente-se com a epiderme.

Não tente mergulhar em mim.
Dessa porta, você não carrega a chave.

sábado, 22 de maio de 2010

Estação


Na estação deserta,
Cheia de esperança, mala azul desbotada, sapato vermelho, casaco marrom, laço no cabelo.
Espera, espera, espera.
Senta, levanta, olha a estrada.
O relógio grande de metal da parede faz tic-tac, tic-tac
e tic-tacteia o tempo.
Tic-tacteia sua ansiedade.
O trem velho aparece em câmera lenta.
Mãos geladas, coração acelerado, respiração interrompida.
Desce a velha, a criança, o bêbado.
Ninguém mais.
Ninguém não veio.
Desembarcou na estação errada.

domingo, 2 de maio de 2010

Brado mudo

Cena de "Terra em Transe"

Na última sexta-feira, acordei com vergonha de ser brasileira. Daqui a pouco estarei em Buenos Aires e talvez fique por lá mesmo. Certamente, torcerei para o Chile na próxima Copa do Mundo. O motivo? Porque somos o país do “pra debaixo do tapete”. É assim que resolvemos nossas questões e conflitos. É assim que pretendemos seguir adiante. Foi o que demonstrou, mais uma vez, o STF ao se recusar a revisar a Lei da Anistia. Torturadores e estupradores, sob a benção oficial, permanecerão sem serem julgados.

Um dos pronunciamentos mais infelizes foi o de Ellen: “não é possível viver retroativamente a história”. Poupe-nos, ministra! Enquanto os arquivos não forem abertos e os responsáveis não forem julgados, a ditadura militar será uma história ainda vivida e não passada. Dilma também escorregou (talvez, no seu próprio passado) e disse ser contra o “revanchismo”. Já as famílias de torturados e desaparecidos preferem chamar de justiça.

Enfim, na última sexta-feira acordei com vergonha de ser brasileira. O brado retumbante deste povo “heróico” há muito se calou.

Veja a sensacional "Campanha pela Memória e pela Verdade" feita pela OAB-RJ: http://www.youtube.com/watch?v=b_lrjkAWAZk&feature=related

terça-feira, 27 de abril de 2010

Duas formas do Thiago partir


Thiago está de mudança pra Oslo e eu achei péssimo. Ele mora em Londres. Londres fica a cerca de 8 mil quilômetros de Belo Horizonte. Para Oslo são 10 mil. Dois mil quilômetros a mais de distância. Quando Thiago morava por essas bandas, em algumas épocas, nos víamos sempre, todos os dias. Depois, ficávamos com overdose um do outro e passávamos meses sem nem nos falar. De qualquer forma, era reconfortante saber que ele estava aqui e que para ter seu colo bastava um telefonema – a qualquer hora do dia ou da noite.

Thiago está de mudança pra Oslo e eu estou toda orgulhosa. Ele mora em Londres, onde está concluindo seu doutorado. Quando Thiago morava por essas bandas, em algumas épocas nos víamos sempre, todos os dias. Hoje, para resolver a saudade e não ficarmos meses sem nos falar usamos a tecnologia. Mesmo assim, conversamos pouco. De qualquer forma, é reconfortante saber que ele está aqui, a um clique – a qualquer hora do dia ou da noite – mesmo com o fuso horário.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Semana

Joana comprou apartamento. Casou. Thiago me chamou no skype e aplacou minha saudade de melhor amigo. Gargalhou. Matheus comprou camisa preta para ir ao show do Guns N´ Roses. Desabrochou. Maria leu o blog. Revoltou. Carol colocou aparelho. Reclamou. Leo me chamou de chata e depois disse que me amava. Abraçou. Didi me chamou pra almoçar. Chorou. Papai me deu um sapato. Comprou. Mariana mandou o e-flyer da empresa. Arrasou. A cliente me ligou cobrando o trabalho. Chateou. E tudo foi tão diferente e ao mesmo tempo tão igual nesta semana. Passou.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Crise Existencial


A força das coincidências é tão grande que, a ela, deu-se o nome de destino. Seguimos, efetivamente, um script? E qual o papel de cada um nessa grande peça que fomos convocados a encenar? Podemos escolher com quem contracenamos ou quais são as nossas marcações? Até onde vai o poder do roteirista? Têm os atores algum poder? Quem é o diretor? E, talvez, a mais importante das perguntas: quando sair de cena?


Manu, obrigada pela paciência

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Por que assisto ao BBB?


Quando digo que assisto Big Brother Brasil, a maioria das pessoas – salvo raras exceções – entoam um profundo e sonoro “vooooooocêêêêêê????”. Pode não parecer, mas trata-se de um elogio. Estão dizendo que me acham inteligente, culta e bem informada. É como se dissessem “mas eu te admiro tanto, não esperava isso de você”. Aceito o elogio truncado e enfrento a cara de decepção. Limito-me a responder: “sim, eu” e não estendo o assunto. Talvez a pessoa passe a me achar burra, inculta e mal informada. Talvez ela pense que continuo sendo interessante “apesar de assistir ao BBB”.

Porém, cansei de desconversar. Quero escancarar. Como diz o Pedro “a pessoa tem que se arriscar”. Então, para quem nunca entendeu os meus motivos, aqui vai o único deles: é porque eu GOSTO. Não assisto BBB para ver a mediocridade das pessoas. Não assisto BBB porque não tenho mais o que fazer. Não assisto BBB porque senão fico “por fora do assunto nacional”. Não assisto BBB porque na TV só tem baixaria mesmo. Assisto porque adoro o programa. Acho sensacional. Gosto da produção, da edição, do Pedro, das intrigas, do amor embaixo do edredom, de acompanhar as tramas, do humor, das intensidades de tudo, das festas e de quando eles falam “o Brasil”. “É o Brasil que tira da casa”, “é o Brasil que escolhe”, “o Brasil tá vendo”. Faço parte desse país. Torço, sofro, me envolvo, converso a respeito, amo, odeio e transformo domingos e terças à noite em dias sagrados em frente à televisão. E quer saber? Não me acho nem mais e nem menos inteligente por isso e o Brasil sabe que estou falando a verdade.

Retorno

Voltei. Tinha decidido matar este blog, liquidá-lo por total e absoluta falta de inspiração. Mas Joana, a anônima-revelada do post anterior, insistiu pelo retorno. Incrível como sua doçura exerce sobre minha carapuça - dura como rocha - um grande poder de persuasão. Este blog agora terá destino certo: Joana em suas tardes de tédio. Acho que ela é a única pessoa que ainda entra aqui. Será, portanto, um diálogo - uma conversa entre amigas impedidas pelo dia-a-dia de conversarem tanto quanto queriam.

Além disso, tenho um problema com o fim, a morte, a perda definitiva. Acho lastimável que algo termine, se finde indefinidamente ou, pior, eternamente. Voltar a escrever aqui é, portanto, minha pequena e silenciosa revolta contra o fim das coisas.