quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Jairzinho

Jairzinho queria um montão de coisas, mas nunca conseguia escolher. Desde pequeno era assim:
- Picolé ou chocolate?
- Montanha russa ou trem fantasma?
- Gosta mais do papai ou da mamãe?

E Jairzinho não conseguia. Sofria, chorava, mas nada definia. “Quero tudo!”. “Tudo não pode!”, dizia a mãe, bradava o pai e insistia a tia.

Com o passar dos anos, sua querência cheia de dúvidas só aumentava e a situação piorava:
- Namoro a ruiva ou a morena?
- Faço medicina ou artes plásticas?
- Mudo-me pra Bahia ou fico onde estou?
- Caso ou compro uma bicicleta?

Jairzinho já sabia, não precisavam mais dizer: “tudo não pode”, mas como deixar de querer?

E Jairzinho, de tanto pensar e não agir, de tanto querer e não escolher, envelheceu e descobriu: nada tinha.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Coisas Bizarras - Eleição






A mulher do Serra. Fala se não é a cara do Moderninho da Xuxa? Lembram dele? Ele jogava as cartas das crianças para o ar.

Eleitor do Serra. Não existe um único eleitor do Serra que goste do Serra. Não apóiam suas idéias, projetos ou políticas públicas. Não o acham fofinho com aquelas olheirinhas. Eleitor do Serra só tem um motivo pra votar no Serra: a Dilma. É capaz dele começar a se sentir rejeitado...

A Marcha da Família com Deus e pela Liberdade. Enquanto os meios mudaram – marcham virtualmente – o discurso continua o mesmo. Idêntico. Quisera eu que Deus (não aquele. O verdadeiro) pudesse votar. Será que Deus votaria no "pobre safado que prefere viver de bolsa-família a trabalhar" ou no Fernando Henrique Cardoso?

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Curtas da Idade

  • Mais celulite, mais estria e, incrivelmente, menos constrangimento ao tirar a roupa;
  • Se os anos são o custo da maturidade e se maturidade é não se importar com a opinião alheia, acho que paguei barato;
  • Não sofro porque envelheço. Sofro porque os anos me separam da inconseqüência sem conseqüências;
  • Onde está a serenidade que tanto me foi prometida? Experiência não traz maturidade. Traz lembranças.

domingo, 17 de outubro de 2010

Inércia

Escreve chorando,
Escreve sorrindo,
Escreve correndo,
Escreve gozando,
Escreve com febre,
Escreve com sono,
Escreve com fome,
Escreve com afinco,
Escreve bonito,
Escreve feio,
Escreve amarelo,
Escreve ligeiro,
Escreve doente,
Escreve contente,
Escreve diferente,
Escreve realmente,
Escreve futuro,
Escreve após,
Escreve ontem,
Escreve agora,
Escreve da chuva,
Escreve da noite,
Escreve do mar,
Escreve da morte,
Escreve para mim,
Escreve para ela,
Escreve para nós,
Escreve para si,
Escreve rimado,
Escreve trocado,
Escreve calado,
Escreve borrado,
Escreve mas não apaga,
Escreve mas não se toca,
Escreve mas não se move,
Escreve mas não retorna.

sábado, 16 de outubro de 2010

Curtas da Amizade

  • Amigo não é aquele que isso ou aquilo (abaixo aos manuais da amizade!). Amigo é tão somente a pessoa que, por motivos ainda não esclarecidos, escolhemos para caminhar conosco.
  • Se a amizade fosse um objeto, seria um estojo Caran d`Ache 36 cores. Amigos são lápis de cor aquarelados com os quais pintamos nossa existência.

  • Disseram: amigos são a família que nos permitiram escolher. Então, ser amigo de um familiar é maravilhosamente unir destino a desejo.

  • Jogo-me em frente a uma bala de revólver para salvar a vida de um amigo querido, mas sou capaz de perder essa mesma amizade por uma boa piada. Isso anula o sacrifício?

  • Uns três ou quatro garanto que serão meus amigos para sempre. A eles, fui capaz de revelar o que em mim existe de mais sombrio e, ainda assim, me amam.

domingo, 10 de outubro de 2010

Um dia qualquer

Hoje, o dia foi preenchido de delicadeza (momento Muquito). Pela fresta da janela, a brisa do mar entrou para me despertar logo nas primeiras horas da manhã. Aqui, sou uma versão de mim que acorda cedo e feliz. Talvez, devido à promessa de um dia inteiro de preguiça de sol sem relógio. Um alegre tédio.

Após o longo desjejum – tomado com a mesa posta, sem atropelamentos –, conheci Zenóbia. O presente veio das mãos da Naninha anos atrás, mas ficou na estante livros-que-ainda-vou-ler. Nos últimos tempos, a fila de minhas pendências literárias tem, incrivelmente, andado. Chegou a vez de “O livro de Zenóbia”, que foi colocado na bagagem junto com algumas coisas que não podem faltar em uma mala que se julgue minha: máquina fotográfica, caderninho de anotações, IPod, óculos escuros e líquido para lente de contato.

Leitura e pé na areia. Banho gelado de mar e música calma no ouvido. Sons novos e antigos. Amores antigos que se renovam. Ao cair da tarde, os amigos cozinharam. Amizade declarada com farinha, ovos e manteiga. O cheiro bom das panelas, o sol, a brisa, o mar, o livro, o som, a preguiça... Hoje, fiz carinho na minha alma.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Curtas da Chuva da Noite

  • Ontem, desolado, o céu chorou a madrugada inteira a falta de nós dois.
  • Confesso: o medo de trovão é puro fingimento para segurar com força a sua mão.
  • Escuta pequena! Escuta os pingos no telhado! É a serenata de água que convoquei para te ninar.
  • Vem chuva da noite! Lava meus sonhos, inunda minha alma e mostra-me como és: água, fúria e vento.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Igual

O mundo está igual. Incrivelmente o mesmo. A jabuticabeira não se recusou a dar jabuticabas e as plantas do jardim derramaram-se em flores com a chegada da primavera. Todos os dias, o sol nasce no nascente e se põe no poente. Sem rebelião. Sem questionamentos. Os passarinhos continuam cantando, até mesmo as rolinhas marrons do quintal. A família também está igual: com brigas, pazes, risadas, almoços e aniversários. Sim. As pessoas continuam fazendo aniversário. É de se estranhar, eu sei, mas o tempo não parou.

E eu? Acordo e durmo diariamente. Encontro meus amigos, choro, assito filmes e me divirto. Almoço e janto. Sabe que até trabalho? Trabalho, amo e escrevo. Minhas roupas e meus móveis ainda são os mesmos. São os mesmos os meus discos e os meus livros. É o mesmo o dia em que a faxineira vem arrumar a casa.

Às vezes, a permanência me dá um susto. Custo a acreditar que você não existe mais e que, mesmo assim, o mundo, a jabuticabeira, o tempo, os passarinhos, o sol, as flores, os móveis, a família e eu continuamos. Inalterada e resoluta, a vida segue.