segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Ao Remetente

Tão delicada e gentil é Júlia. A vizinha, não eu. Júlia é margarida, é amarelo com bonina. Júlia é porcelana antiga. Júlia me deu dois adjetivos em letras maiúsculas. Não é meu aniversário, não é Natal, não é o dia dos escritores frustrados. Ainda assim, Júlia decidiu presentear-me. Sem motivo. Guardava com ela dois adjetivos escritos em letras maiúsculas e, gratuitamente, embrulhou-os (desde que abrira sua loja de coisas lindas, aprendeu a fazer embrulhos) e deu-os a mim.

E, agora, eis aqui o meu dilema: não posso aceitar o presente. Bem que queria, mas são adjetivos grandes demais (e maiúsculos!): não tenho espaço para recebê-los. Pensei em alugar um depósito: deixá-los-ia lá até conseguir levá-los comigo. Acontece que corre o risco de empoeirar, estragar, empenar. Sabe-se lá quanto tempo adjetivos podem ficar guardados? Adjetivo tem prazo de validade? Selo do Inmetro?

Poderia trocar. Mas onde se trocam palavras? (ocorreu-me agora uma oportunidade de mercado: Lojas Língua-Mãe - satisfação garantida ou o seu dinheiro de volta).

A única solução que encontro é devolvê-los. “Devolver presente é uma grande falta de educação”, martela em minha cabeça a voz de minha finada avó. Acredito que Júlia, no entanto, irá entender que meu gesto não é birra, arrogância ou despeito. Entenderá minha total impossibilidade de aceitar esse presente tão grande. Saberá ela que em seu poder ficarão melhor os adjetivos maiúsculos. Certamente, Júlia entenderá. Afinal, como já disse, Júlia é margarida.

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