quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Masoquistas!

Amor não é alegria. É angústia.
Não são fogos de artifício. É implosão.
No lugar da paz, inquietação.

Amor é ansiedade em seu estado puro.
Essencialmente, pertubador.
Amor é loucura e, valham-me os clichês, rima com dor.

Amor faz da dúvida morada.
Me ama? Ficará comigo? O que está a pensar?
A mente do ser amado: um mistério a decifrar.

E, mesmo assim, tem o Amor um incontável séquito de seguidores.
Masoquistas do coração, escolhem na incerteza viver.
Gritam de peito aberto e a plenos pulmões: que venham o medo e a insegurança.
Não são alegres. Seres cuja ideia do fim está sempre à espreita.
Mas como são felizes os desgraçados!

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Feliz Aniversário

No seu aniversário e em todos os anos da sua vida, desejo a você: você.

Você sem tirar nem por;

Você cuspido e escarrado;

Você ponto a ponto;

Você tintim por tintim

Felicidade, saúde, dinheiro e amor demandam não só esforço como sorte.

Ser você só depende de você (é a expressão máxima do livre-arbítrio).

E sendo você todo você, acredite, poderá ser o que quiser.

Para Gibran, que a cada dia é mais ele e me faz mais feliz

domingo, 4 de dezembro de 2011

Lá fora

Lá fora, comemoram.
Foi o time que ganhou,
Foi Maria quem casou,
Foi a festa do Senhor.

Lá fora, dançam.
Foi o medo que passou,
Foi a alegria que chegou,
Foi ele quem ficou.

Lá fora, convidam:
“Comemore, dance.
O time ganhou, Maria casou, é festa do Senhor.
O medo passou, a alegria chegou e ele, ah, ele ficou”.

Lá fora, insistem:
“Vem logo. Antes que o time desabe, antes que Maria descase, antes que o Senhor acabe.
Antes que o medo volte, que a alegria não seja forte, que ele se revolte”.

Lá fora, silenciam.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Desesperança

Somos a sombra do que um dia fomos e somente esboço do que queríamos ser. Perdemos a memória do futuro.

Onde guardamos as lembranças do que viveríamos?
Onde estão as fotos do que estava para acontecer?
Onde está o que estava para acontecer?

Em um esquizofrênico teatro do cotidiano, encenamos nós mesmos. Intermináveis monólogos ou diálogos non senses. Por vezes sou bruxa, em outras palhaço. Nunca sou o papel (revelador) que reivindico: o de iluminador. Nessa vida-metáfora, não queria estar em cena, a ter que lembrar diariamente de minhas falas e marcações. Minha personagem me entedia.

Lá fora tudo bate, espreita, roda, buzina e convoca. Aqui, nada acontece. Coloco gelo nos hematomas de embates que não quero mais ter. Mesmo assim, os tenho. São os restos de uma pulsação vital.

Na desesperança, me aconchego, sossego. Na desesperança, sou livre e feliz.

Escrevo

Escrevo e me construo.
Esculpo minhas máscaras,
Gravo minhas farsas,
Traduzo meus desejos,
Desnudo meus segredos.
Narro-me.
Escrever é inscrever-me em mim.

domingo, 20 de novembro de 2011

Evolução

Por vinte anos tive uma amiga querida. Ela era inteligente, divertida e animada. Amiga para momentos bons e ruins. Tinha defeitos tão terríveis quanto suas qualidades, é verdade. Mas também os tenho e também são enormes. Diante de minha falta de moral no assunto, relevava sua futilidade e língua afiada. Sabe-se lá quantas coisas terríveis ela também relevou para ser minha amiga por tanto tempo. O certo é que nutríamos uma pela outra amizade e afeto sinceros.

Sempre, no entanto, existiu entre nós uma questão: ela era fascista. Todos os fios de seus cabelos loiros eram de extrema direita e sua metralhadora verbal voltava-se aos negros, pobres, gays, mulheres(!) e surdos. Sim, surdos. Digo era porque hoje não sei mais. Tenho esperanças que as pessoas mudem. Alexandre não. “Sou pessimista”, ele informou da última vez que nos encontramos, barrando mais um momento tudo-vai-dar-certo-tenho-certeza. Mas eu tenho fé na evolução da espécie. Outro dia meu pai perguntou: “o que estamos fazendo pela evolução da espécie?“. Murchei. Penso que estou fazendo muito pouco.

Da amiga em questão, eu me afastei. A briga foi séria e definitiva. O que no início era um incômodo, tornou-se uma diferença irreconciliável. Não tinha como relevar mais. Relevar era negar os meus mais profundos princípios. A amiga antes divertida, passou a me dar náuseas.

Para os que insistem em questionar - “você perdeu uma amiga por isso?” - eu tenho o prazer de reafirmar: “Isso” não é tudo, mas é muito. Diz do caráter, da visão de mundo e até da inteligência.

Acho que evolui.

Revanche

Das cinzas, da lama, da caverna, do fundo, do breu, você ressurge. Não está amputado, não está manco, não está coxo. Bem mais que inteiro, está maior. Bem mais que pronto, está de peito aberto. Sua vingança, seu deboche e sua arma é continuar a ser.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Espectadora

Entre eu e o mundo uma vidraça (quem a colocou aqui?). A vida está em uma vitrine, um aquário. O desenrolar da humanidade é, para mim, paisagem. E passa distante: não me toca, não me atinge. Faz sol, as crianças correm, as mulheres sorriem, os homens bebem. Sou alheia a toda essa pulsação vital (será que essas pessoas sabem que vivem?). Escolho o papel de público. Uma forçada, impaciente e desinteressada espectadora. Percebo que eu até pertenço a esse mundo. Sou dele componente. Estou em sua engrenagem. É o mundo pela vidraça que não pertence a mim. Tenho outras cores, outros sons e outros sabores. Contrários, estranhos. Vejo o mundo por uma vidraça e pergunto-me: de qual lado está a realidade?

Nunca machuca

Nunca bate. Sempre belisca.
Nunca empurra. Sempre cutuca.
Nunca grita. Sempre resmunga.
Nunca cospe. Sempre cala.
Nunca destrói. Sempre desconstrói.
Nunca vai embora. Mas também não fica.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Procura-se

Estou sentindo muito a minha falta. Desde que parti, procuro-me em todos os cantos. Já espalhei fotos minhas pela vizinhança e ofereço uma boa recompensa a quem me encontrar. Tão logo sumi, fui até a polícia à minha procura. Estava desesperada atrás de mim e, gaguejando, contei como foi:

- Saí hoje cedo dizendo que voltava logo e nunca mais apareci. Foi ficando tarde e eu esperando aflita um telefonema que seja! Nem sinal de mim.

Frio e calculista o delegado informou:

- É necessário esperar 24 horas para configurar um desaparecimento.

Eu protestei:

- Mas é muito tempo, doutor! E se nunca mais eu for encontrada?

Ele deu de ombros. Eu fui por conta própria me procurar na casa de amigos, nos lugares que costumava frequentar. Rodei a madrugada inteira e nem sombra de mim. No dia seguinte, novamente na delegacia:

- Agora estou oficialmente desaparecida!

- Tudo bem, tudo bem... A senhora deu algum sinal de que iria sumir? Estava com problemas?

- Não que eu tenha notado. Eu sou uma pessoa muito responsável e sempre tive um relacionamento muito aberto comigo. Acho que se tivesse com problemas eu teria me contado.

- Sei..., mas a maioria das pessoas desaparece porque quer, minha senhora.

- Não é o meu caso! Tenho certeza que aconteceu alguma coisa grave, doutor. Eu jamais desapareceria assim, me deixando tão aflita!

- O que podemos fazer é te colocar na lista dos desaparecidos e começar a busca. É muito importante que a senhora mantenha a calma. Não posso prometer nada, mas faremos de tudo para encontrá-la.

Já se passou tanto tempo desde essa conversa, que estou perdendo as esperanças. O meu maior medo é que, caso seja encontrada, eu não mais me reconheça.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Respostas

À grosseria, responda com delicadeza.
À hipocrisia, responda com verdade.
À desonestidade, responda com ética.
À mesquinharia, responda com grandeza.
Ao moralismo, responda com liberdade.
Ao preconceito, responda com deboche.
A eles, responda com você.
A tudo, responda.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Ontem

Ontem foi bola na vidraça. Estilhaçou.
Agora, janela sem vidro. Paisagem invadindo sem timidez o quarto, a vida.
Raios de sol sem obstáculos.
Também o frio, a chuva e o vento não encontram entreposto.
Ao relento, meu coração é expectativa, apreensão, medo e felicidade.

Nitidez

Um borrão está sua face.
Um borrão está você.
Não te delineia, pelo contrário, dela-te essa incerteza.
Do não-você nascerá um ser que não é borrão.
Nascerá um ser nítido.
Mas não se engane.
Em pouco tempo, pode esperar:
borrarás de novo.

Reside aí o desespero.
Reside aí toda a graça.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Ser

Você quer ser feliz,
Você quer ser bem-sucedido,
Você quer ser amado,
Você quer ser reconhecido,
Você quer ser respeitado.

Ser ao extremo.
Ser tudo.

Eu estou no caminho contrário.
Quero despir-me de ser.

Sobrevivência

fumo, cheiro, injeto.
preciso ficar doida.
só assim o mundo me é normal.
só assim meu espírito encontra a sanidade.

Súplica

G
R
I
T
A
!!!

Minha alma AFLITA
desejando ser L I V R E

Êxtase

Bandeira disse-me que toma alegria.
À mim, sucede-se o contrário.
É a alegria que me toma.
Embriaga-se de mim,
viaja no meu íntimo.
Sou êxtase.
Deixo a alegria de porre.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Tamanho Real

Em certos dias, as coisas são grandes, pesadas. Tomam a mente, ocupam a sala, disputam conosco o ar. As costas doem. Gritamos aos amigos: ajudem-me a carregar!

Em certos dias, as mesmas coisas são pequenas, leves. Corremos o risco de perdê-las no bolso da calça. De deixá-las em um cantinho e de tão pequenininhas, nunca mais encontrá-las.

Mas há os dias especiais, os melhores de todos, em que as coisas têm o seu real tamanho. Dias em que não somos nem alarmistas e nem negligentes. Em que deixamos o palco, dispensamos a platéia e vamos à luta. À capacidade de unir dimensão a fatos damos o nome de equilíbrio.

Tão difícil alcançar...

sábado, 30 de julho de 2011

Coisas urgentes a fazer

Mandar arrumar o telefone que estragou em janeiro;

Aceitar que algumas pessoas simplesmente não se importam;

Contar aos que se importam como são especiais;

Comprar o presente de aniversário que prometi entregar depois;

Terminar as monografias das últimas duas pós-graduações;

Terminar as relações com quem é fútil e vazio;

Fazer unhas;

Assistir aos últimos três filmes que estrearam;

Parar de pensar em como seria o futuro se...;

Ler os doze livros que estão na estante "livros para ler";

Parar de poupar o mundo de mim;

Poupar o planeta de mim;

Emagrecer os malditos e eternos dois quilinhos.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Fulana

"Quero ser sua amiga". A singeleza de Claudinha diante da minha negligência e apatia foi uma máquina do tempo. Retornei ao ano de 1991, quando mudei de escola. Momento assustador na vida de uma criatura de onze anos.

Uma das primeiras amigas que fiz era uma chata. Amiga do tipo “ainda-não-tenho-personalidade-suficiente-para-passar-o-recreio-sozinha”. Ela logo me avisou: não fale com a Fulana. Fulana não presta. Não admito apontar de dedos. Quem que na pré-adolescência não acatou avisos como esse sem questionar que atire a primeira pedra. Fulana virou persona non grata para mim.

Mas não demorou para me enturmar. Aos poucos, notei que meus coleguinhas nutriam uma curiosidade por mim. Eu era a novidade. Resolvi abusar da fama repentina e dei uma festa. Tema-auge da novela das oito, a festa era cigana. As meninas de saiões e brincos dançavam Please Don´t Go em uma pista com gelo seco e iluminada pela sequencia de luzes azul, verde, vermelho e amarelo (agora bati fundo na memória afetiva). Fulana não foi convidada.

Passado um tempo, estou indo embora pra casa e sinto um cutucão. Uma cartinha é estranhamente jogada em minhas mãos por um remetente apressado. Espanto. A despeito de minha grosseria, Fulana, em versinhos rimados, me dizia delicadamente “quero ser sua amiga”. Ali começava uma das relações mais profundas, fraternais e significativas da minha vida.

Da amiga chata, nunca mais ouvi falar.

Naninha, amo você infinito.
Claudinha, também quero ser sua amiga.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Quero

Quero o bem e o mal,
o melhor e o pior,
a beleza e a feiúra,
o engano e o esclarecimento,
a fúria e a candura,
o seco e o molhado,
o cheio e o vazio,
o recato e a luxúria,
a ignorância e o conhecimento,
o desconforto e o aconchego.

Quero inteiro.

Reação

Exército da morte.
Mercenários.
Torturadores sanguinários.

Quem paga os seus salários?

Pra preto e pobre, cassetete.
Sai fora pivete!

Nem todos são maus (é o discurso do jornal).
Mas o mal também reside no calar.
Não reagir e aceitar.
E a desculpa, pra variar?
Tenho meus filhos pra alimentar.

Também os tem aqueles que apanham.
Humilhados e destroçados.
Exterminados e desgraçados!

Impacientemente espero.
A hora de vocês irá chegar.
Quero ser a primeira a gritar.
De dentro de mim sairá um urro reprimido e profundo:
MÃO NA CABEÇA VAGABUNDO!

Leia: O que não vaza é pele

Quero te ver

Daqui a pouco te reencontro. Quero te ver depois, já no fim do túnel. Já cicatrizado da travessia. Já sem feridas expostas. Sem fadiga. Quero te ver pulando, de braços e mente abertos, feliz por me reencontrar. Quero te ver despido das perguntas, do medo e da insegurança. Quero te ver com a cara de quem conseguiu. De quem descobriu que não foi tão ruim quanto parecia. Quero te ver quando já não precisar desse encontro. Quando nós dois formos retratos, lembranças e boas risadas. Quando a nostalgia não causar dor. Quero te ver seu. E se diante desse desenlace fisgar em meu peito uma pontinha de angústia, saberei disfarçar. Também irei sorrir para você.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Separação

Separar é uma merda. Qualquer separação é ruim, mesmo quando é boa. Começa no nascimento o nosso medo de mudar, quando cortam o cordão umbilical e somos obrigados, ainda enrugados, ainda molhados, ainda sem consciência de nada, a encarar a nossa primeira separação. Quando inventarem a tecla SAP para recém-nascidos, entenderemos que o choro estridente que faz o médico acreditar que está tudo bem é, na verdade, um desesperado apelo: “me coloquem lá de volta. Lá é quente, é macio, tem comida. Lá eu já conheço. Com lá eu estou acostumado. Lá é aconchego e lá eu sou amado. Voltem comigo pra lá e fechem essa porra!”. Vamos conversar com os recém-nascidos, tentar convencê-los: “mas você tem o mundo inteiro pela frente. Se você voltar pra lá, não vai conhecer Paris, não vai nadar na cachoeira, nunca vai andar de patins e nem assistir a um filme”. Ele nos olhará intrigado e dirá: “tudo bem. Prefiro o que já conheço”. Pobre criatura humana sem escolha. Não anda, não fala, não tem cabelo, mas já tem que lhe sobrar coragem.

E essa brutal experiência de boas-vindas é apenas a primeira de muitas separações a que somos submetidos. Depois, separamos do bico, da bicicleta com rodinhas, do pai na porta da escola, da escola, dos amigos que vão, da faculdade, da vida sem obrigações, daqueles que morrem, da casa dos pais e, é claro, a dor-mor de todas as separações vivenciadas: dos amores. Como quase toda despedida, nessa vem o pacote do adeus à pessoa, que porventura ainda amamos, à história, aos hábitos, ao conforto, ao conhecido. Separar de um amor, no entanto, seja ele namorado, marido ou amante, tem suas peculiaridades. É uma despedida também dos planos que traçamos. Com algumas frases mal ensaiadas, apagamos o presente e partimos para reiventar o futuro. Sozinhos, sem garantias de compensação ou de sucesso, às vezes, um pouco aliviados, invariavelmente apavorados, partimos rumo ao total e absoluto desconhecido. Pode ser transformador, pode ser promessa, pode ser recomeço, mas é violência e flagelo em estado puro.

Dizem existir luz no fim do túnel mesmo nas mais amargas separações. Não há como negar, porém, que alguns túneis são, incrivelmente, mais compridos que outros.

Nós dois

Eu e o mundo. Dois estranhos. Não pertenço a ele. Ele não me pertence. Aqui, definitivamente, não é o meu lugar. Para os que amo, sou inimigo. Para meus inimigos, não sou ninguém. Louca a bradar bandeiras de lutas vãs. Tenho asco do mundo e da gente que nele se encaixa. Quero os malditos, os insanos, os desgraçados, os abandonados. Quero os que vagam, apanham e sentem frio. Quero os sem nome, sem mãe, sem dignidade. Quero a margem, o gueto, o nada. Mas desisto. Quero, mas não consigo mais. Abro mão. Desço. Vou embora. Aos guerreiros, deixo a espada. Sou covarde. Não quero mais. Desisto do mundo. Desisto do Homem.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Meu Desejo

Meu desejo não está nas vitrines e nem estampado nas revistas. Não é anunciado por mulheres gostosas em propagandas enganosas (e nem nas verídicas). Meu desejo não pode ser comprado, alugado, emprestado, furtado ou roubado. É tão simples o que desejo e, ainda assim, não pode ser adquirido nem por um milhão de dólares. O Bill Gates não pode comprar o meu desejo. No momento, é inacessível, inatingível, inviável.

Meu desejo não é de tecnologia de ponta, não é o último lançamento, não tem designer inovador. Meu desejo uma vez satisfeito não me deixará mais magra, nem mais rica e não existe garantias de que mais feliz. Meu desejo não dá status. Não está nas prateleiras, não tem embalagem, etiqueta ou sistema de distribuição. Não pode ser encontrado no mercado negro, contrabandeado ou trocado. Meu desejo não entra em liquidação e não tem selo do Inmetro.

Meu desejo faz de mim uma prisioneira cercada pelas grades das circunstâncias. E existe algo que seja mais almejado e inegociável do que a liberdade?

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Despedida

De todas as despedidas da minha vida,
De todos os "adeuses" que tive que pronunciar,
(e, valham-me os deuses, não foram poucos, não foram felizes),
Ontem, foi de todos, o mais triste, o mais difícil.
Ontem, enquanto a madrugada descia com seu manto frio e escuro,
Despedi-me de mim.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Fabiano

Vivo de orgulho do meu irmão. Teria mesmo que ele tivesse apenas realizado o "american dream". Teria mesmo que ele fosse somente lindo, inteligente e generoso. Teria mesmo que ele só tivesse encontrado a minha cunhada. Mas, de um ponto de vista auto-centrado, entendo que ele não ele quis correr o risco de não ser por mim amado. Fez tudo o que já disse e ainda fabricou Noah. Agora, vejo-o encaixotar sua vida. Seguindo-o, vai seu cortejo: excitação, filho, mulher, medo, saudade, sogra, esperança, ansiedade. Daqui, torço. Em qualquer lugar, estarei sempre a torcer.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Confusão

Você me quis.
Seu desejo, finalmente,

Em mim fez morada.

E o sol, confuso,

Nasceu de madrugada.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

quinta-feira, 31 de março de 2011

Pílula do Dia

Sermos nós mesmos dá tanto, mas tanto trabalho, que desisto de mim antes mesmo de me tentar.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Pílula do Dia

Cuidado com o que deseja! Maldizer os sentimentos que o perturbam pode acarretar em seriíssimo e intolerável castigo: nada mais sentir.

domingo, 27 de março de 2011

Alternativa

Queria tomar o mundo.
Bebê-lo inteiro.
Devorar-lhe cada pedaço.
E, assim, o fez.
Junto com o prazer, também veio o amargo:
Polícia, Igreja, direita;
Racismo, machismo, homofobia;
Regras e códigos a serviço da infelicidade;
A segurança sobre a liberdade.
O mundo estava contaminado.
Então, ela finalmente entendeu.
Era necessário juntar-se com os seus,
E, de estranho útero pária,
Gerar um mundo novo.

Para Carol, por sempre questionar.

sábado, 26 de março de 2011

Homônimos

Nome é uma coisa muito séria. Por isso, o cuidado deve ser redobrado quando você tem um homônimo, afinal, um outro alguém pode jogar seu nome na lama.

- Alô, é Pedro Ivo Albuquerque?
- Sim, quem fala?
- Aqui é Pedro Ivo Albuquerque.
- Trote uma hora dessas?
- Não! É verdade. Somos homônimos.
- Meu Deus...
- Surpreso?
- Claro!
- Eu monitoro você há três anos.
- Me monitora?
- Sim, e aproveito pra te agradecer. Você tem cuidado muito bem do nosso nome. Conduta ilibada. Só teve aquela moça que falou mal de você pelo facebook, mas eu desconsiderei. Não me parecia uma opinião muito consistente. De qualquer forma, você poderia selecionar melhor suas companhias... Mas, no geral, não tenho do que reclamar.
- ...?
- Enfim, mas não foi pra te jogar confetes que liguei. É que temos um problema.
- ....!?!
- O Pedro Ivo Albuquerque anda aprontando.
- Eu?
- Não. Outro. Mora em Porto Alegre. O comportamento desse cara ainda vai nos causar problemas.
- E o que você quer que eu faça?
- Participe da nossa conference call hoje à tarde.
- Nossa?
- Estou convocando todos os Pedros Ivos Albuquerques do país para definirmos, em conjunto, qual atitude iremos tomar. Adianto que a situação é gravíssima.
- Sei não...
- Você não se importa com o seu nome?
- Claro... Mas...
- É sua responsabilidade.
- Tudo bem. Que horas?
- Às três da tarde. Entraremos em contato.
- OK.
- Então, até lá.
- Pedro!
- Oi...
- Só mais uma coisa.
- Diga.
- Como eu faço pra ter uma lista de telefones e endereços dos participantes?

segunda-feira, 7 de março de 2011

Pílula do Dia

Desejo curar-me, mas temo que isso abale, de maneira irremediável, o amor que sinto por mim.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Vejo-os

Vejo mortos.

Nem precisa continuar a me imaginar cinematograficamente mediúnica, como o rapazinho assustado de “Sexto Sentido” a sussurrar “I see dead people”. Não é nada disso.

Vou ser paciente com você que é tão paciente comigo, mesmo eu retornando a este tema: a morte. É que eu vivo (e não consigo rir da presente ironia) pensando nela. Então, pacientemente, reformulo a frase: vejo os meus mortos.

Percebo que ainda não fui compreendida. Tire a viseira e tente mais uma vez. Não vejo gente morta. Não vejo a minha gente morta. Não mantenho contato, nem visual que seja, com espectros fantasmagóricos a me contarem informações além-vida. Gostaria de ter essas informações. Gostaria de saber como estão, se me esperam e, principalmente, se sabem se essa será uma espera longa.

Vejo meus mortos, agora sim, o tempo todo. Vejo-os nos objetos, nos móveis, na rua. Vejo-os na televisão e no cinema. Nas revistas e nas notícias do jornal. Vejo-os nos livros que leio à noite e no café que tomo pela manhã. Vejo-os em tudo o que gostaria de com eles compartilhar. Vejo-os naquilo que sei que eles gostariam de também ver. Vejo-os nos lugares, nas viagens, nos cheiros, nos sons e nos hábitos que carrego.

Sei que estão mortos. Duramente, sei disso. Vê-los, no entanto, em todas as coisas que me cercam, é aceitar que estão mortos, mas nunca, jamais, matá-los. Vê-los é a minha pequena vitória sobre a morte.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Música de Ninar

Dorme,
Ó meu anjo lindo,
Que a noite vem vindo,
Quem vela sou eu.
*
Dorme,
E sonha comigo,
Ó meu grande amigo,
Quem vela sou eu.
*
Dorme,
Com riso na boca,
Que a noite é tão pouca,
Quem vela sou eu.
*
Antônio cantava essa música de ninar para sua neta. Quase trinta anos depois, ela cantarola baixinho sua melodia quando a escuridão da noite significa muito mais do que ausência de luz. Ao ninar-se com a música do avô, ela projeta sua alma para longe da solidão e das sombras, para um lugar na memória afetiva onde tudo é aconchego, proteção e amor.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Instinto

Sinto-me bicho,
Coberta de moralidade animalesca,
Ausente de julgamento,
Totalmente ignorante do certo e do errado,
Do bom e do ruim,
Do dever e do direito.

O que em mim pulsa é necessidade,
Sinto fome e como,
Sinto sede e bebo,
Sinto raiva e mato,
Sinto desejo e deito-me.

O meu olhar não está no ontem,
(não tenho arrependimentos),
Muito menos no amanhã,
(não meço conseqüências).

Do fogo renasço e no fogo me consumo
Da água surjo e na água me afogo
Da terra sou fruto e na terra me enterro
Do vento sou filha e no vento me desfaço.

Amoral, instinto e fúria.
Animal.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Betinho

Betinho teve filho. Impossível não lembrar de quando o conheci. Amizade instântanea entre dois pré-adolescentes que se achavam grandes e que sonhavam com o futuro. Quer dizer, eu sonhava. Para Betinho, hoje sei, eram planos: projetos estrategicamente traçados desde a infância.
*
Acho que nunca falei como tenho orgulho dele (por que deixamos de dizer coisas tão essenciais?). Orgulho de um cara que saiu de um cidadezinha de três mil habitantes (com importância de metrópole em minha vida) e conquistou o mundo - secretamente, seu principal projeto. Orgulho do filho e do amigo que ele é e, orgulho antecipado, do pai maravilhoso que sei que ele será. O que me deixa com mais orgulho, porém, é ter conhecido alguém que, obstinadamente, projetou e conquistou o que queria (sem esse blá, blá, blá de música da Xuxa e livro de auto-ajuda).
*
Eu, continuo sonhando. Betinho, sei bem, ainda faz planos.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Pílula do Dia

Sempre que descubro algo sobre mim, eu morro. Brutalmente, mato-me. Dolorosamente, mato-me. Mato-me para, então, renascer. Da descoberta, invariavelmente, surge um outro eu.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Ao Remetente

Tão delicada e gentil é Júlia. A vizinha, não eu. Júlia é margarida, é amarelo com bonina. Júlia é porcelana antiga. Júlia me deu dois adjetivos em letras maiúsculas. Não é meu aniversário, não é Natal, não é o dia dos escritores frustrados. Ainda assim, Júlia decidiu presentear-me. Sem motivo. Guardava com ela dois adjetivos escritos em letras maiúsculas e, gratuitamente, embrulhou-os (desde que abrira sua loja de coisas lindas, aprendeu a fazer embrulhos) e deu-os a mim.

E, agora, eis aqui o meu dilema: não posso aceitar o presente. Bem que queria, mas são adjetivos grandes demais (e maiúsculos!): não tenho espaço para recebê-los. Pensei em alugar um depósito: deixá-los-ia lá até conseguir levá-los comigo. Acontece que corre o risco de empoeirar, estragar, empenar. Sabe-se lá quanto tempo adjetivos podem ficar guardados? Adjetivo tem prazo de validade? Selo do Inmetro?

Poderia trocar. Mas onde se trocam palavras? (ocorreu-me agora uma oportunidade de mercado: Lojas Língua-Mãe - satisfação garantida ou o seu dinheiro de volta).

A única solução que encontro é devolvê-los. “Devolver presente é uma grande falta de educação”, martela em minha cabeça a voz de minha finada avó. Acredito que Júlia, no entanto, irá entender que meu gesto não é birra, arrogância ou despeito. Entenderá minha total impossibilidade de aceitar esse presente tão grande. Saberá ela que em seu poder ficarão melhor os adjetivos maiúsculos. Certamente, Júlia entenderá. Afinal, como já disse, Júlia é margarida.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Dez coisas que odeio em mim

1 - Um comichão que tenho dentro do esôfago e que me impede de aceitar o imponderável (incluindo que não se pode pular nas nuvens);

2 - A mania de nunca verificar os equipamentos de segurança quando me atiro na vida;

3 - O initerrupto movimento que faço entre calmaria e tempestade;

4 - O frequente esquecimento de que vida é aquilo que acontece do lado de fora da gente;

5 - Um incurável vício em melancolia;

6 - A vontade de restringir a minha alimentação a chocolate e queijo;

7 - A total, irrestrita e absoluta falta de capacidade de manter a boca fechada (a observação constrangedora, o comentário ácido, o conselho difícil: serei eu a pronunciar);

8 - A ansiedade por compreender;

9 - A cega certeza de que a intuição vale mais do que a visão e a audição;

10 - A preguiça de fazer ginástica.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Escolha

Entre tantos caminhos,
Entre tantas possibilidades,
Escolho eu, a felicidade.

Sinto saudade, fome e sede,
Sinto insegurança e frio,
Sinto medo e ardo em vontade,
Ainda assim,
Escolho a felicidade.

E eu que até hoje não sabia,
Que felicidade se escolhia.
Pensava ser coisa que o acaso,
Destinava aos merecedores:
- Bem-aventurados prometidos!
Mas não.

Felicidade não é destino,
É movimento.
Não é benção,
É ação.
Não é estado,
É trabalho (árduo até, ouso dizer).

Sim, é verdade,
Existiam outros caminhos,
Existiam outras possibilidades,
Mas eu estou firme e forte:
Fechei com a felicidade.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Tomás

Sempre que via Carla, Tomás tomava um susto. Susto daqueles: seu coração disparava, o ar faltava e a vista embaçava.

No início do namoro, ele achou que era normal. Carla, sempre mais linda, mais inteligente, mais carinhosa, mais apaixonada por Tomás. Carla sempre se superando. E Tomás, assustando.

Nas primeiras vezes, Carla se preocupava: “acudam, Tomás está tendo um troço”, mas depois, nem ela mais ligava. Acontece que os anos passaram e os sustos, ao invés de cessarem, aumentaram.

Carla queria casar, mas Tomás não podia nisso nem ouvir falar. Imagina você, todos os dias, um susto tomar? Tomás, não agüentando mais Carla nem visitar, procurou o médico da família, Castor. “Me ajuda, doutor?”. Mas para aquilo não tinha remédio nem explicação, nem em toda a medicina, doutor Castor encontrou uma solução.

Tomás decidiu com Carla terminar. Depois de assustar, a comunicou que com aquele romance não podia continuar. Carla, aos pés de Tomás se jogou, pediu, chorou, implorou. Ele, então, entendeu: “ela é normal, como eu”. Dessa história, final não há. Naquele mesmo dia, foram para o altar. O amor até hoje durou e Tomás nunca mais assustou.

Juca

Juca não fazia poesia,
Nelas, ele vivia,
Nunca ficava calado,
E falava tudo rimado.

Pra comprar pão na padaria,
Tinha que mencionar a tia,
Pra encomendar do dente uma prótese,
Tinha que recorrer a hipótese.
E quando não encontrava,
Alguma palavra que rimava,
Juca emburrava,
E de assunto mudava.

Até que Juca perdidamente se apaixonou,
Pela colega de trabalho ele se enamorou,
Mas entrou em um dilema,
Não pensava em nada pra rimar com Efigênia.

E, sem verso e nem prosa,
Sem rima e nem rosa,
O romance de Juca acabou.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Curtas do Adeus

  • Adeus pode ser tristeza, libertação, recomeço ou saudade. Adeus só não pode ser continuidade.
  • A palavra “adeus” guarda em si todo o sentido do definitivo. Pronunciá-la dá nó na garganta.
  • Às vezes, dar adeus é tão difícil, mas tão difícil, que ficamos dando tchau até criarmos coragem.
  • Somente no “adeus”, o caminho conhece seu fim. Adeus é o epílogo em forma de gesto.
  • Como que uma palavra construída com deus pode ser tão triste? Será, justamente, por isso?
  • “A deus” o que? Ele não precisa de nada. A mim, A nós, A eles.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Dúvida Técnica

Quando é , exatamente, que o ano deixa de ser novo? Qual é o momento em que descobrimos (perplexos?) que, talvez, seja impossível empreender todo o “pacote mudança”: ser magro, praticar esportes, abandonar o cigarro, visitar mais a mãe, manter a mesa de trabalho organizada, ir ao dentista regulamente, acordar cedíssimo e ler os russos? Quando é que nos damos conta de que somos tanto vício quanto virtude e aceitamos, resignados, que a vida é assim mesmo: pequenos ajustes no lugar de drásticas transformações? Quando é que desistimos (ao menos até a próxima maravilhosamente deliciosa ilusão de início de ano)?

Ilha de Boipeba


Feche os olhos. Imagine o mar mais azul, os coqueiros mais verdes, o sol mais forte (amenizado pelos ventos mais generosos), as frutas mais doces, os peixes mais saborosos, o povo mais gentil, as crianças mais alegres e você terá uma vaga ideia de onde estou. Por mais incrível que pareça, confesso que, nos primeiros dias, tal magnitude afrontou-me, debochando de minha incapacidade de compreender. Meus olhos destreinados cansavam-se de tanto olhar e, ansiosos por olharem mais, por olharem tudo, frustravam-se. E eu sufocava.

Agora, a beleza não mais me sufoca. Não digo que me acostumei a ponto de não mais me emocionar ou de transformar paisagens em corriqueiros cenários para a encenação de meu cotidiano. Abri mão, no entanto, de racionalizar, de apreender pela compreensão. No momento, consigo apenas sentir. Sinto-me imersa no presente, ausente de lembranças ou de projetos. Pouco de antes – alguns afetos que carrego onde quer que esteja – e nada de depois. Desfruto o instante soberano: todo-poderoso a me conduzir por caminho nenhum. Acredito que é a esse sentimento que se dá o nome de paz.