sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Tomás

Sempre que via Carla, Tomás tomava um susto. Susto daqueles: seu coração disparava, o ar faltava e a vista embaçava.

No início do namoro, ele achou que era normal. Carla, sempre mais linda, mais inteligente, mais carinhosa, mais apaixonada por Tomás. Carla sempre se superando. E Tomás, assustando.

Nas primeiras vezes, Carla se preocupava: “acudam, Tomás está tendo um troço”, mas depois, nem ela mais ligava. Acontece que os anos passaram e os sustos, ao invés de cessarem, aumentaram.

Carla queria casar, mas Tomás não podia nisso nem ouvir falar. Imagina você, todos os dias, um susto tomar? Tomás, não agüentando mais Carla nem visitar, procurou o médico da família, Castor. “Me ajuda, doutor?”. Mas para aquilo não tinha remédio nem explicação, nem em toda a medicina, doutor Castor encontrou uma solução.

Tomás decidiu com Carla terminar. Depois de assustar, a comunicou que com aquele romance não podia continuar. Carla, aos pés de Tomás se jogou, pediu, chorou, implorou. Ele, então, entendeu: “ela é normal, como eu”. Dessa história, final não há. Naquele mesmo dia, foram para o altar. O amor até hoje durou e Tomás nunca mais assustou.

Juca

Juca não fazia poesia,
Nelas, ele vivia,
Nunca ficava calado,
E falava tudo rimado.

Pra comprar pão na padaria,
Tinha que mencionar a tia,
Pra encomendar do dente uma prótese,
Tinha que recorrer a hipótese.
E quando não encontrava,
Alguma palavra que rimava,
Juca emburrava,
E de assunto mudava.

Até que Juca perdidamente se apaixonou,
Pela colega de trabalho ele se enamorou,
Mas entrou em um dilema,
Não pensava em nada pra rimar com Efigênia.

E, sem verso e nem prosa,
Sem rima e nem rosa,
O romance de Juca acabou.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Curtas do Adeus

  • Adeus pode ser tristeza, libertação, recomeço ou saudade. Adeus só não pode ser continuidade.
  • A palavra “adeus” guarda em si todo o sentido do definitivo. Pronunciá-la dá nó na garganta.
  • Às vezes, dar adeus é tão difícil, mas tão difícil, que ficamos dando tchau até criarmos coragem.
  • Somente no “adeus”, o caminho conhece seu fim. Adeus é o epílogo em forma de gesto.
  • Como que uma palavra construída com deus pode ser tão triste? Será, justamente, por isso?
  • “A deus” o que? Ele não precisa de nada. A mim, A nós, A eles.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Dúvida Técnica

Quando é , exatamente, que o ano deixa de ser novo? Qual é o momento em que descobrimos (perplexos?) que, talvez, seja impossível empreender todo o “pacote mudança”: ser magro, praticar esportes, abandonar o cigarro, visitar mais a mãe, manter a mesa de trabalho organizada, ir ao dentista regulamente, acordar cedíssimo e ler os russos? Quando é que nos damos conta de que somos tanto vício quanto virtude e aceitamos, resignados, que a vida é assim mesmo: pequenos ajustes no lugar de drásticas transformações? Quando é que desistimos (ao menos até a próxima maravilhosamente deliciosa ilusão de início de ano)?

Ilha de Boipeba


Feche os olhos. Imagine o mar mais azul, os coqueiros mais verdes, o sol mais forte (amenizado pelos ventos mais generosos), as frutas mais doces, os peixes mais saborosos, o povo mais gentil, as crianças mais alegres e você terá uma vaga ideia de onde estou. Por mais incrível que pareça, confesso que, nos primeiros dias, tal magnitude afrontou-me, debochando de minha incapacidade de compreender. Meus olhos destreinados cansavam-se de tanto olhar e, ansiosos por olharem mais, por olharem tudo, frustravam-se. E eu sufocava.

Agora, a beleza não mais me sufoca. Não digo que me acostumei a ponto de não mais me emocionar ou de transformar paisagens em corriqueiros cenários para a encenação de meu cotidiano. Abri mão, no entanto, de racionalizar, de apreender pela compreensão. No momento, consigo apenas sentir. Sinto-me imersa no presente, ausente de lembranças ou de projetos. Pouco de antes – alguns afetos que carrego onde quer que esteja – e nada de depois. Desfruto o instante soberano: todo-poderoso a me conduzir por caminho nenhum. Acredito que é a esse sentimento que se dá o nome de paz.