Nem precisa continuar a me imaginar cinematograficamente mediúnica, como o rapazinho assustado de “Sexto Sentido” a sussurrar “I see dead people”. Não é nada disso.
Vou ser paciente com você que é tão paciente comigo, mesmo eu retornando a este tema: a morte. É que eu vivo (e não consigo rir da presente ironia) pensando nela. Então, pacientemente, reformulo a frase: vejo os meus mortos.
Percebo que ainda não fui compreendida. Tire a viseira e tente mais uma vez. Não vejo gente morta. Não vejo a minha gente morta. Não mantenho contato, nem visual que seja, com espectros fantasmagóricos a me contarem informações além-vida. Gostaria de ter essas informações. Gostaria de saber como estão, se me esperam e, principalmente, se sabem se essa será uma espera longa.
Vejo meus mortos, agora sim, o tempo todo. Vejo-os nos objetos, nos móveis, na rua. Vejo-os na televisão e no cinema. Nas revistas e nas notícias do jornal. Vejo-os nos livros que leio à noite e no café que tomo pela manhã. Vejo-os em tudo o que gostaria de com eles compartilhar. Vejo-os naquilo que sei que eles gostariam de também ver. Vejo-os nos lugares, nas viagens, nos cheiros, nos sons e nos hábitos que carrego.
Sei que estão mortos. Duramente, sei disso. Vê-los, no entanto, em todas as coisas que me cercam, é aceitar que estão mortos, mas nunca, jamais, matá-los. Vê-los é a minha pequena vitória sobre a morte.