domingo, 16 de setembro de 2012

Paulo Navarro: fim da picada


No dia 8 de setembro, o colunista social Paulo Navarro publicou a seguinte nota no jornal da Pampulha:

"FIM DA PICADA: As autoridades precisam se entender quanto à programação da Serraria Souza Pinto e atividades sob o viaduto Santa Tereza. Um prejudica o outro, porque têm públicos totalmente diferentes. Dia 31, a performance de cantores de rap assustou os convidados do Baile da OAB, sobretudo as mulheres. Por isso, a Serraria deixou de ser palco de grandes eventos sociais".

A nota de Navarro espelha a elite tacanha e preconceituosa de Belo Horizonte. A enxurrada de equívocos que, especula-se, não é este o Navarro que escreve, começa já na primeira linha. Na contramão do que clama parte da população da cidade, Paulo convoca as autoridades, porque, para ele e seus pares, não existe possibilidade de diálogo e debate na esfera pública sem a intermediação de um poder regulador. O motivo é claro: as regulamentações, constantemente, estão a serviço de Paulo e Cia. Exemplo notório disso é o decreto da Praça da Estação publicado pelo atual prefeito após pressões da empresária Ângela Gutierrez.

Na sequencia, Navarro afirma que um prejudica o outro. Trata-se de um “achismo”, uma vez que Paulo, ao que se sabe, não entrevistou nenhum integrante ou público do Duelo de MCs. Aqui, o colunista lança mão da imparcialidade como estratégia quando, na verdade, é porta-voz de apenas um lado. O motivo do prejuízo – “porque têm públicos totalmente diferentes” –, é puro eufemismo. O que Paulo quer dizer é que, de um lado, estão brancos e ricos e, do outro, pretos e pobres. 

Na gênese da criação de Belo Horizonte está o fetiche da segregação. A “cidade jardim” que teve uma avenida separando o centro moderno e promissor da periferia invisível não foi feita para a convivência. Quando o manto da invisibilidade começa a ser rasgado, a elite se desespera (e chama a polícia, o prefeito, o governador, o papa). Pessoas como Paulo não querem e não estão preparadas para entender que uma cidade democrática pressupõe a convivência de cidadãos de grupos sociais, credos, etnias e opções sexuais diferentes. Pessoas como Paulo estão, agora, comemorando o advento dos “frescões”. 

É necessário dizer que fico absurdada de alguém que escreve em um jornal chamar o Duelo de MCs de performance de cantores de rap. O evento, que ocorre semanalmente há cinco anos, é pacífico, aberto, gratuito e nada tem que justifique o “susto” das bem vestidas e laqueadas senhoras da capital mineira. Quem entrava na Serraria, coalhada de seguranças e grades de proteção, assustava sim, mas era com a cor da pele dos que estavam embaixo do viaduto. Preto só não assusta quando está na cozinha, na obra, estacionando o carro. Pretos (e brancos) em grande número, a serviço da celebração de uma cultura negra, urbana e periférica, é pânico na certa. 

Quanto à Serraria, se ela deixou de ser palco de grandes eventos sociais só tenho a comemorar. Quem sabe, agora, esse local encontre uma forma de cumprir a função pública para a qual ele foi reformado. Além do mais, a Souza Pinto tem à sua porta um dos maiores e mais importantes eventos culturais que existe atualmente na cidade, motivo de orgulho para qualquer espaço que se preze. 

Escrevendo esse texto me lembrei de um do Sakamoto em que ele dizia: “Não tenho medo de ser assaltado em meu carro porque não tenho carro. Não receio que levem minhas jóias ou meu relógio caro porque não tenho relógio. Não fico com pavor de entrarem na minha casa e levarem tudo porque meu bem mais precioso é um ornitorrinco de pelúcia. Não me apavoro em andar na rua à noite a não ser por conta do risco de chuva. E por mais que vá a bons restaurantes de vez em quando, devo ressaltar que nunca fui assaltado em nenhuma barraca de cachorro-quente… Acho que já deu para entender o recado. Não tenho medo da minha cidade porque, tenho certeza, ela não precisa ter medo de mim”. Naquele dia, eu estava lá. Vendo a contradição entre aquilo que ostentam dois universos tão distintos também tomei um susto. Como vem acontecendo quase cotidianamente, tomei um susto com o Brasil.


2 comentários:

  1. Texto muito apropriado para o momento de inspiraçào nazista que Belo Horizonte vem vivendo nos últimos quatro anos.

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  2. Me pergunto se o colunista em questão esteve no FIQ no ano passado. Milhares e milhares de jovens de todas as cores, credos e classes sociais misturaram-se no espaço. Eu, que só tinha visitado o espaço em formaturas e afins pude, pela primeira vez, perceber o quanto aquele espaço pode ser aproveitado por toda a cidade, e não somente uns e outros.

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