Um dia na faculdade um menino veio conversar comigo. Me contou que eu estava com fama de fácil. Detalhe que talvez importe na narrativa: estudávamos, eu e o menino, na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG. Não sei se sua intenção era boa ou ruim e isso pouco me importava, mas ele enfatizou: todo mundo diz. Também não me lembro qual foi sua reação diante da minha retumbante gargalhada. Talvez tenha ficado surpreso ou me achado louca. Pode, ainda, ter pensado, compadecido, que era uma atitude de desesperado embaraço diante de tão abaladora revelação. Às vezes, machista é tão ingênuo!
Eu não estava abalada, muitíssimo pelo contrário. Ria regozijando e era inteira tomada de uma profunda satisfação. Era tão grande o orgulho que sentia que, imediatamente, adotei uma postura ereta, queixo erguido, passadas firmes, quase arrogantes. O que, alguns anos antes, teria me provocado imenso horror, me encheu de uma sublime alegria. Eu tinha chegado lá e era, enfim, uma vadia.
Confesso, consternada, que no plano afetivo-sexual pouco fiz para merecer a condecoração. Nesse quesito, minha vida era uma espécie de O Artista: nem tão ruim que saímos no meio da seção, nem tão bom que merecesse ganhar o Oscar. Soldado raso no campo da vadiagem era tratada, no entanto, como general, comandante da putaria.
Existindo minhas peripécias sexuais apenas na fantasia daqueles que me nomeavam, por que minhas mãos na calçada da fama? Elementar, meu caro Watson: eu não me encaixava. Ou melhor, eu não me encaixava mais. Finalmente, o mundo compreendia a mudança lenta e gradual, pé ante pé, que eu fazia na minha vida. Uma tentativa de ligar cada vez mais o fôda-se, de me desvencilhar das neuroses da minha criação, da escola onde estudei, de trajetórias e comportamentos pré-determinados. Ainda estava tão lá atrás...
PAUSA PARA SUSPIRO NON SENSE: Ainda estou tão lá atrás... Tão contraditório, mas quanto mais ando em minha direção, mais distante fico de mim. É uma loucura de sempre almejar mais me ser e então converto-me em algo quase inalcançável para mim mesma... Ainda carrego tantos pesos... Ainda tenho tantas amarras...
Mas, para um grupo da faculdade, eu já estava em outro lugar, já era essas mulheres, já era esse tipo. Mesmo que, secretamente, eu me sentisse uma farsa, assumir minha nova forma social foi uma experiência epifânica. E, tendo apenas um gostinho da liberdade, eu entendi que ser livre é quase tão libertário quanto morrer, e o melhor: não precisa morrer.
Como vadia que sou, amanhã estarei na marcha. Marchamos contra a opressão de gênero, pela legalização do aborto, pelo direito pleno ao nosso corpo, contra os padrões de beleza e a violência, contra o machismo (o racismo e a homofobia), contra a ideologia da mulher-coisa, pela valorização do indivíduo, da humanidade, pela paz, pelo respeito, pelas mulheres da Eliana Silva. Marchamos, com postura ereta, queixo erguido, passadas firmes e juntas, porque a liberdade de sermos quem somos é um poder real e imbatível que temos sobre o mundo.