sexta-feira, 13 de abril de 2012

Viagem egocêntrica da madrugada

Não é de hoje e nem de agora (não, não achei redundante) que me sinto estranha. Acho que sempre me senti estranha, como se fosse uma espectadora de minha própria vida. A pessoa que trabalha nesse trabalho, que namora esse namorado, que é amiga desses amigos ou parente desses parentes, não sou eu, mas uma projeção holográfica - de ultíssima geração – de mim. Eu mesma, sem tecnologia ou artifício, só existo em mim, dentro de mim, entranhada em mim, escondida em peles, ossos e tripas (já reparou que são sempre três itens?).

Importante anotar nos anais desse espaço que não se trata de uma coisa mística do tipo “eu flutuo e me vejo fora do meu corpo”. Tampouco de uma adoção boteco-filosófica da corrente idealista. A parada é sensorial. Momento revelação da madrugada (está de madrugada): eu não sinto que eu sou esse eu que se relaciona e vive, mas um eu que só se relaciona consigo mesmo, no caso, eu. “Fôda-se!”, retruca a humanidade. “Fôda-se seu inseto maluco!”. OK, entendo (mas nunca me comporto de acordo) a insignificância de minha crise de identidade, mas, dentro do meu micro-pessoal-e-intransferível-cosmos (assumam!, é o único que verdadeiramente existe) essa crise pulsa, pulsa, pulsa. Tal qual a sua necessidade vital de comprar uma moto ou de viajar para a Tailândia. Talvez bem mais do que isso porque, porra!, eu sou eu todos os dias e não é possível que uma pessoa pense 24h na merda da moto que ainda não conseguiu comprar .

Existem alguns momentos de rara felicidade – não alegria, que me sobra –, que para mim significa conseguir desligar a minha não-existência-real. Não se trata de ausência de consciência, mas de uma consciência extrema, límpida e serena. Lembro-me de um deles. Eu tinha treze, quatorze anos e fui a uma boate playba de Belo Horizonte (...)

Interrupção para fluxo de pensamento: Tenho quase certeza de que fui uma adolescente playba, mesmo sendo estranha (o que é, absolutamente, estranho, convenhamos). Os estranhos não são playbas, são excluídos do sistema social mais cruel já inventado: a escola. Eu, no entanto, como mestre jedi da tecnologia de sair de mim mesma e me adaptar holograficamente ao mundo (sou falsa? hipócrita? sobrevivente? esperta?), nunca fui excluída. Por muito tempo, inclusive, mesmo os mais próximos não desconfiavam tratar-se de uma pessoa estranha, que assistia escondida à Guerra nas Estrelas e repetia em frente ao espelho: “Luke, I’m your father!”. Isso também não fazia de mim uma nerd enrustida, que sabia tudo sobre cinema de ficção e RPG (eu só gostava de imitar o Darth Vader). Eu não era nada, apenas uma holografia que não se deixava excluir. Dentro de mim, eu tinha o mundo.

(...) então, eu tô lá na boate playba, quando juizado de menores em Beagá era só terrorismo de seguranças, e um amigo me chamou pra dançar. Ele me apertou com força e deu um beijo no meu pescoço. Eu gostei tanto que sai de perto como fazem as adolescentes inseguras que não sabem o que está acontecendo. E ai quando fui ao banheiro percebi que a minha calcinha estava molhada. Esse momento foi, com o perdão do trocadilho: “cara, que porra é essa?”. E então eu entendi uma porrada de coisa que ninguém nunca tinha me explicado e fiquei me sentindo consciente. Nesses raros momentos, eu saio de mim e sou eu mesma a holografia, o que faz com que a holografia não seja holografia. Eu disse: ultíssima geração.

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