terça-feira, 24 de abril de 2012

Os vagabundos, eles e a PM


“Vagabundo”, pensou a Mulher que viu Fernando sendo abordado pela polícia. “Vagabundos”, foi o mesmo que pensou o Senhor que passou por ali a tempo de assistir Fernando, Joviano e Rafael serem algemados. “Vagabundos”, completou baixinho um rapaz que viu os três no camburão da PM.  A Mulher, o Senhor e o Rapaz não conhecem Fernando, Joviano ou Rafael. Eles nem imaginam que eles foram presos, intimidados e agredidos quando defendiam valores que lhes são tão caros: a justiça, a liberdade, a não-violência. 

Agora, pasmem, se soubessem, em nada mudaria o julgamento apressado que fizeram. Isso porque, a Mulher, o Senhor e o Rapaz confiam na polícia. E eles têm razões de sobra pra isso. A Polícia Militar brasileira foi criada com o objetivo único de proteger essa Mulher, esse Senhor e esse Rapaz. O sanguinário exército fardado existe para servir às elite (que, por motivos ideológicos, nunca mais conjugarei) e à classe merda. Missão prioritária comando Delta: deixar tudo o que pode abalar o status quo controlado! Controle à base de cassetete, violações dos direitos humanos e arbitrariedades. Braço armado a serviço da ideologia que prega: tudo deve ser como está. Cada um no seu quadrado, principalmente, preto e pobre. 

PAUSA PARA A AÇÃO MAIS EFICAZ DA PM: O instrumento de controle social mais eficaz exercido por essa instituição, altamente tecnológico, é a violação cotidiana da dignidade de quem é preto e pobre. Então, camarada, se você é preto e pobre, se você é só preto ou só pobre, ou se você, por algum acaso, acha que preto e pobre não deve ser espancado por ser preto e pobre: cuidado! A PM vai te pegar. Ela está no seu encalço, esperando na esquina da sua casa, no ônibus que você pega, no bar, na praça, na blitz (“esse carro é seu mesmo, vagabundo?”). 

Nessa sociedade policialesca – que é mais que um Estado policialesco – não cabem questionamentos, chamados “desacatos”, e muito menos pedidos de justiça: “grave perturbação da ordem”. Foram o que fizeram Fernando, Joviano e Rafael: questionaram e pediram justiça. “Vagabundos” repetem, após esse esclarecimento, como já tínhamos previsto, a Mulher, o Senhor e o Rapaz. Em coro, gritam: “bem que mereceram. Se tomaram, é porque mereceram”. 

Fico com náuseas, vontade de correr, sumir, dizer: alô mundo, já deu pra mim. Fui! Sinto cada vez mais que não sirvo para viver nesse lugar no qual a Mulher, o Senhor e o Rapaz são a maioria massacrante. E teve um dia em que esse sentimento estava me tomando e que a Milene disse mais ou menos assim: "mas somos poucos. Um que desiste já é muito" (Milene sempre me arrebata com sua coragem, sua vontade de defender os mais fracos, de lutar pelo que é justo. E sempre fico com vergonha porque tenho bem menos fibra, disposição, compaixão e saco. Sou egoísta no último grau quando estou com Milene). Hoje, como Milene não veio impedir que eu depusesse minhas acanhadas, supérfluas e medrosas armas, tive que resistir por conta própria. 

“Não pise na grama” me causou um profundo horror. Mas eu ainda acredito. Mesmo com a Mulher, o Senhor e o Rapaz debochando de mim e de todas as pessoas de bem que eu conheço, mesmo assim, eu ainda acredito. Mesmo quando eu quero desistir e mandar tudo pra puta que pariu, eu ainda acredito. E hoje, um trecho da nota do Joviano fez às vezes de Milene. Ele dizia assim: 

“Não descansaremos até que os agentes públicos diretamente envolvidos, o Município de Belo Horizonte e o Estado de Minas Gerais sejam responsabilizados civil e penalmente. Mais do que isso, não descansaremos enquanto houver cercas nesta cidade, pois preferimos lutar a perder nossa dignidade”.

Rá! Mulher, Senhor e Rapaz, atenção: somos poucos, mas fazemos um barulho danado!

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Radical

Que tirolesa, bungee jumping, asa delta que nada!
Namorar é esporte radical.
Escolher, se entregar, se abrir.
Conhecer a família do outro, os amigos, as manias.
Correr o risco de ser você mesmo.
Acordar ao lado, sem maquiagem e zero de dignidade.
Aguentar o mau-humor e as indiossincrasias.
Despir-se da roupa e da perfeição.
Aceitar e compartilhar.
Nada mais rebelde, revolucionário, transformador e transgressor que amar.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Viagem egocêntrica da madrugada

Não é de hoje e nem de agora (não, não achei redundante) que me sinto estranha. Acho que sempre me senti estranha, como se fosse uma espectadora de minha própria vida. A pessoa que trabalha nesse trabalho, que namora esse namorado, que é amiga desses amigos ou parente desses parentes, não sou eu, mas uma projeção holográfica - de ultíssima geração – de mim. Eu mesma, sem tecnologia ou artifício, só existo em mim, dentro de mim, entranhada em mim, escondida em peles, ossos e tripas (já reparou que são sempre três itens?).

Importante anotar nos anais desse espaço que não se trata de uma coisa mística do tipo “eu flutuo e me vejo fora do meu corpo”. Tampouco de uma adoção boteco-filosófica da corrente idealista. A parada é sensorial. Momento revelação da madrugada (está de madrugada): eu não sinto que eu sou esse eu que se relaciona e vive, mas um eu que só se relaciona consigo mesmo, no caso, eu. “Fôda-se!”, retruca a humanidade. “Fôda-se seu inseto maluco!”. OK, entendo (mas nunca me comporto de acordo) a insignificância de minha crise de identidade, mas, dentro do meu micro-pessoal-e-intransferível-cosmos (assumam!, é o único que verdadeiramente existe) essa crise pulsa, pulsa, pulsa. Tal qual a sua necessidade vital de comprar uma moto ou de viajar para a Tailândia. Talvez bem mais do que isso porque, porra!, eu sou eu todos os dias e não é possível que uma pessoa pense 24h na merda da moto que ainda não conseguiu comprar .

Existem alguns momentos de rara felicidade – não alegria, que me sobra –, que para mim significa conseguir desligar a minha não-existência-real. Não se trata de ausência de consciência, mas de uma consciência extrema, límpida e serena. Lembro-me de um deles. Eu tinha treze, quatorze anos e fui a uma boate playba de Belo Horizonte (...)

Interrupção para fluxo de pensamento: Tenho quase certeza de que fui uma adolescente playba, mesmo sendo estranha (o que é, absolutamente, estranho, convenhamos). Os estranhos não são playbas, são excluídos do sistema social mais cruel já inventado: a escola. Eu, no entanto, como mestre jedi da tecnologia de sair de mim mesma e me adaptar holograficamente ao mundo (sou falsa? hipócrita? sobrevivente? esperta?), nunca fui excluída. Por muito tempo, inclusive, mesmo os mais próximos não desconfiavam tratar-se de uma pessoa estranha, que assistia escondida à Guerra nas Estrelas e repetia em frente ao espelho: “Luke, I’m your father!”. Isso também não fazia de mim uma nerd enrustida, que sabia tudo sobre cinema de ficção e RPG (eu só gostava de imitar o Darth Vader). Eu não era nada, apenas uma holografia que não se deixava excluir. Dentro de mim, eu tinha o mundo.

(...) então, eu tô lá na boate playba, quando juizado de menores em Beagá era só terrorismo de seguranças, e um amigo me chamou pra dançar. Ele me apertou com força e deu um beijo no meu pescoço. Eu gostei tanto que sai de perto como fazem as adolescentes inseguras que não sabem o que está acontecendo. E ai quando fui ao banheiro percebi que a minha calcinha estava molhada. Esse momento foi, com o perdão do trocadilho: “cara, que porra é essa?”. E então eu entendi uma porrada de coisa que ninguém nunca tinha me explicado e fiquei me sentindo consciente. Nesses raros momentos, eu saio de mim e sou eu mesma a holografia, o que faz com que a holografia não seja holografia. Eu disse: ultíssima geração.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Novos eternos dilemas da classe merda brasileira

A classe merda brasileira está com tudo e não está prosa. Não bastassem as taxas elevadíssimas de impostos e a corrupção desenfreada para alegrar os animados bate papos classemerdistas, os pobres desse país resolveram sair da senzala.

Se antes debochar do ex-presidente sem curso superior e dedo mindinho esquerdo era o hours concurs do fim de tarde na chopperia do shopping, nada hoje é páreo para a indignação com a empregada doméstica que virou diarista. "Não se fazem mais empregadas domésticas como antigamente", reclamam nos salões. E não se fazem mesmo. Onde estão as domésticas caladas, cordatas e mal remuneradas? Sumiram junto com o amor pela família que tanto fez por elas. Agora, são só negócios e classe merda que é classe merda faz negócios, mas acha que o amor é importante quando se trata de doméstica. E ai não dá pra amar a doméstica que quer só ganhar bem e ter um horário digno de trabalho. "Mesmo quando a gente ajuda o filho dela que tá doente, mesmo assim, a danada quer ganhar bem e ter um horário digno de trabalho!".

E a raiva só aumenta. Porque os pobres quando resolveram roubar da classe merda os aeroportos, a TV de plasma, Buenos Aires e Miami, roubaram também a organização do Brasil em classes que se diferenciam pelo poder de consumo. Quando o pedreiro usa Nike e o porteiro compra um Playstation 3 para o seu filho, o país perde sua identidade fundante. É o caos generalizado! E classe merda não quer apenas ver realizado o sonho da casa própria, quer organização e estabilidade. Núcleo milionário onde crimes não solucionados ocorrem, núcleo classe merda com tramas conflituosas, casamentos e grávidas sorridentes e núcleo pobre com alegria de viver. "Será que até as novelas irão mudar?"

"Já estão no Facebook e agora pretendem avançar para o Instangram!", pensa o classe merda cool, com seu pullover xadrez e óculos quadrado de aro grosso, enquanto roga por piedade: "deixem, ao menos, a Apple em paz!". Mas não tem jeito. Os brasileiros pobres estão cada vez menos pobres brasileiros. Incontroláveis, insaciáveis e exigentes, eles avançam: abram alas para a orkutização do Brasil!